sweet sixteen
Entrei no colégio uma semana antes do início das aulas e lembro da primeira fotografia que tirei com os olhos. Lembro-me da Sandra, aquela vigilante muita feia, coitadinha. No recreio que durava um dia inteiro, aprendi o significado da palavra "bué" e fui tão gozada por não saber. Ter passado os primeiros anos agarrada às saias da avó tinha, pela primeira vez, um senão. Lembro-me de não perceber se a Ana Isabel era uma rapaz ou uma rapariga.
O primeiro dia de aulas não teve esse sabor. Já tinha chorado tudo o que havia para chorar e as saudades da mamã já tinham entrado na rotina. Lembro-me da tua mãe e das vossas mãos dadas ao pé daquele coiso verde que servia de banco em dias de sol porque não havia chapéus de chuva para enfiar lá. Não sei se é recordação ou invenção mas acho que foi a tua mãe que fez as honras.
"Olá! Ela é a Filipa, e tu como é que te chamas?"
Depois da vergonha sentamo-nos lado a lado e ficamos assim uns anos. Até irmos de castigo por trocar um lápis de carvão com umas gargalhadas a servir de acompanhamento. Ficava sempre sem força nas mãos de tanto me rir contigo. Ainda fico mas agora isso já não me faz atrasar nos ditados.
Nos primeiros dias de aulas a professora perguntou-nos como tinham sido as férias. Falei das bolas de berlim que comia na praia de Monte Gordo com a minha mãe e dos mergulhos de cabeça que o meu pai me tentou ensinar na piscina em Vilamoura e descobri que não era normal ter os pais a viver em duas casas diferentes. A normalidade é tão relativa para uma criança de 6 anos!
Depois das férias do verão vieram as colagens com folhas secas para celebrar o outono. Mais tarde percebi que a sequência era sempre essa: férias de verão, outono, s. marinho, natal... até ao dia da criança trazer mais um verão e mais 3 meses de férias.
Os dias da criança eram sempre divertidos. No primeiro fomos para um parque na margem sul. Sei que não te lembras mas para mim está pintado de fresco. Caí no escorrega e fiz uma ferida no joelho que nos fez ficar sentadas no banco o resto da tarde. A mim por mariquice, a ti por amizade. Dos outros lembro-me dum castelo e dum molho de azedas que o Hugo me deu.
O cheiro da sala da primeira classe e o vozeirão da Isabel , sinto-os aqui dentro do meu nariz e dos meus ouvidos...
Os horrores que passamos com a Neuza, tu por teres sido vista a subir uma árvore, eu... também por amizade, talvez. A tarde infinitamente longa e feliz do jogo da apanhada com os rapazes, que acabou com gargalhadas e cabeçadas no chão, a tua agilidade nos trepas e a minha inveja por não conseguir fazer metade, o teu fato-treino, os meus óculos, os anões que nos ensinaram o AEIOU e as gomas que serviam de prémio à tabuada cantada sem erros, o pesadelo que foi acabar o livro de problemas da Fofinha....
As visitas de estudo e a guerra do "quem fica com quem", os intervalos a saltar à corda - como era tua, tu eras a primeira e eu era a segunda, sem discussão -, o carnaval em que levaste um casaco de peles, os queijinhos que trazias de Andorra, a cena do iogurte que eu adoro e que não tem piada contar aqui, o trabalho de grupo dos dinossauros e o outro da mercearia em que fizeste uma maçã linda de plasticina, a tua festa de anos em que a Cátia se atirou em queda livre da tua relva, a minha no zoo...
A semana que se repetia todos os anos em tua casa. A tigela de nestum, o cheiro da tua casa, a sopa que fingimos naquela casa vazia, as voltinhas de moto 4, as festas com rifas e musica pimba, adormecer a sofocar gargalhadas na almofada...
As tardes/noites que passavamos a imitar a Pequena Sereia a cantar na rocha e a fazer jogos para saber com quem e com que idade nos iamos casar... até termos idade para ter histórias de rapazes para trocar enquanto esvaziavamos tupperwares de kellogs special k, o ciclo dos amores pelo Ivo, pelo Bruno Lopes, pelo TS, a alegria dos dias de chuva só para que os rapazes não pudessem jogar à bola, o "chupa e sopra", o período, a depilação, os primeiros cigarros à janela do meu quarto...
A carta de condução, o carro, as praxes, as férias em Albufeira e no sudoeste, as noites no kremlin, os jantares nas pizarias, nas tascas, no sushi, o fim da faculdade, o estágio, o emprego...
...até às piadas no MSN que nos fazem rebentar de riso às altas horas da manhã, como agora.
5 comentários:
Lindo.
ate eu que sou assim fiquei emocionado...
voces foram feitas uma para a outra. do que e que estao a espera?
o meu respeito e a minha inveja (sempre feia pelo que dizem, mas disso eu não quero saber..)
beijo
Deixa-me coordenar a minha respiração que fiquei com o nariz entupido, e preciso rapidamente de ir a correr pa casa de banho, pq não ia saber explicar a quem me vir, porque é que estou a chorar.
Tudo isto so pode mesmo ter um nome.
Amor
sem duvida menina F. Amor no mais puro dos seus sentidos...
Estou uma Maria Madalena inconsolável :( Que texto tão pessoal, tão real, tão vosso... tão lindo.
Adorei...
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